quinta-feira, 3 de junho de 2010

A CONDENAÇÃO DE SÓCRATES



Sócrates, filósofo grego, exercendo considerável influência sobre a juventude e demonstrando hostilidade à tirania de Crícias, foi acusado de impiedade e condenado a envenenar-se tomando cicuta (veneno extraído de planta com o mesmo nome) em Atenas, no ano de 399 AC.
Entre os atenienses, o Processo Penal se caracterizava pela participação direta dos cidadãos no exercício da acusação e da jurisdição, e ainda pela oralidade e publicidade dos debates. Pela escassez de dados da época, muito do que se sabe de Sócrates foi escrito por Platão ou Xenofonte. A justiça estava organizada da seguinte forma: Os Arcontes (magistrados gregos) no princípio de cada ano sorteavam seis mil atenienses de idade superior à trinta anos, de quem extraiam quinhentos juízes para cada processo. O segundo sorteio, o definitivo, tinha lugar durante a manhã do julgamento, para evitar que os imputados pudessem corromper os juizes (Tribunal dos Heliastas que exercia a jurisdição comum). Dois dos juízes de Sócrates foram Calión e Meleto.
Calión teria dito: "São demasiados os que se sentem estúpidos ante ele (Sócrates), e ninguém é mais vingativo do que alguém que se dá conta que é inferior. Se o condenam a morte, de nada terá que queixar-se, mais que de si mesmo: Sócrates é o indivíduo mais presunçoso que já nasceu neste mundo. Aí está esse velho irredutível. Se o vês, parece que, mais que a um processo por impiedade, se dirije a um banquete: sorri, se detém a falar com os amigos e saúda a todos que vê!"
Com a palavra Meleto (acusação): "Eu, Meleto, filho de Meleto, acuso a Sócrates de corromper os jovens, de não reconhecer os deuses que a cidade reconhece, de crer nos demônios e de praticar cultos religiosos estranhos contra os outros...- Eu, Meleto, filho de Meleto, acuso a Sócrates de imiscuir-se em em coisas que não lhe dizem respeito; de investigar sobre o que há embaixo da terra e o que há sobre o céu e de discutir com todos e acerca de tudo, tentando sempre fazer parecer como melhor. Por estes delitos solicito aos atenienses que o enviem à morte!"

Depois sobem à tribuna outros dois acusadores: Anito e Licón. Após, o chanceler dá a palavra a Sócrates: "E agora tem a palavra Sócrates, filho de Sofronisco!"
Sócrates (defesa): "Não sei que impressão haveis experimentado vós, atenienses, ao ouvir as razões de meus acusadores. O certo é que foi tão e tão grande a persuasão que, se não se tratasse de minha pessoa, também eu creria em suas palavras. O caso é que estes cidadãos não disseram absolutamente nada que tenha que ver com a verdade. E agora me perdoais se não lhes faço um discurso adornado com belas frases. Falarei como estou acostumado a fazê-lo, sem cerimônias, mas em compensação procurarei dizer sempre o justo, e vois devem fixardes só nisto: se o que estou por dizer é justo ou não!""...me pus a ação e fui ver um desses que têm fama de sábio. Não os direi o nome, atenienses: basta saber que era um de nosso políticos. Pois bem, este bom homem me parece , sim, que tinha ar de sábio, mas que, na realidade, não o era em absoluto. Então procurei fazê-lo entender e ele, por causa disso, me odiou. Imediatamente depois fui ver alguns poetas: conheci suas poesias, ou ao menos as que me pareciam melhores, e os perguntei o que queriam dizer. Cidadãos..., me dá vergonha dizer-lhes a verdade... Quem pior discorria, sobre uma composição poética qualquer, era justamente o seu autor! Depois dos políticos e dos poetas me dirigi aos artesãos e... o que adivinhas que descobri? Que eles, conscientes de exercer bem sua profissão, pensavam que eram sábios também em outras coisas, inclusive mais importantes e difíceis. A essa altura compreendi o que havia querido dizer o oráculo: "Sócrates é o mais sábio dos homens porque é o único que sabe que não sabe". Entretanto, sem embargo, me havia atraído o ódio dos poetas, dos políticos e dos artesãos; e não é casualidade que hoje me vejo acusado no tribunal por Meleto que é um poeta, por Anito que é um político e artesão e por Licón que é um orador."
Sobre a acusação de não crer nos deuses, mas crer no diabo, Sócrates teria dito: "E quem seriam estes (os demônios)? Filhos malvados dos deuses? Assim pois, afirmas que não creio nos deuses, senão só na existência dos filhos dos deuses. É como dizer que creio nos filhos dos cavalos, mas não nos cavalos."

Por fim a condenação: "Cidadãos de Atenas! - proclama com solenidade o chanceler - Esta é a sentença emitida pelos Heliastas: votos brancos, 220; votos negros, 280. Sócrates, filho de Sofronisco, é condenado à morte!"

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O BEM COMO BUSCA

Sócrates mostrava um caminho para a filosofia que jamais poderia ser encontrado num texto. Ele falava de uma anamnesis, de um mergulho na memória pessoal em busca do instante do nascimento da consciência filosófica. A consciência filosófica era a antevisão das formas universais eternas. Essas formas transcendiam infinitamente a esfera da experiência corporal, portanto também da memória sensível, mas, em algum momento esquecido do tempo, haviam se entremostrado nela e despertado, na alma do indivíduo carnal, a aspiração do Bem supremo. No curso posterior da vida, a maioria dos homens se esquecia desse momento para sempre. Em outros, a ocultação era parcial. Se o objeto experienciado desaparecia da consciência, a aspiração a que ele dera nascimento permanecia viva. Viva, mas buscando satisfação a esmo em objetos impróprios, errando entre símbolos e simulacros até atinar -ou não- com o caminho de volta. O encontro do aprendiz com o filósofo maduro era um momento decisivo dessa busca. O filósofo atraía os discípulos porque algo, nele, evocava o Bem supremo. O filósofo era um símbolo. O discípulo podia agarrar-se a ele como a qualquer outro símbolo, adorando-o ao ponto de desejar possuí-lo carnalmente. É o que Alcebíades, após a noitada do Banquete, confessa a Sócrates. Mas Sócrates lhe explica que ele está buscando na direção errada. O que move a alma do discípulo é o desejo de um bem espiritual esquecido, que a carne de Sócrates não pode satisfazer. O filósofo é um símbolo do Bem e não o próprio Bem. Nesse sentido, ele não é diferente de qualquer outro símbolo. Mas ele não é apenas símbolo. Ele não se limita a representar exteriormente o Bem, como a beleza material o representa sem saber o que faz. Ele é um registro consciente daquele Bem que ele próprio simboliza. Ele é o homem que realizou a anamnesis e descobriu na própria alma a abertura para o Bem. Por isso ele pode ensinar a Alcebíades o caminho de volta, mostrar que esse caminho não se encontra no corpo de Sócrates, e sim na alma de Alcebíades. Ele convida o discípulo à metanóia, ao giro da direção da atenção desde fora para dentro, desde a atualidade dos sinais sensíveis para a escuridão da memória, em cujo fundo brilha, escondida, a recordação da abertura primordial para a experiência do Bem e das formas eternas.

terça-feira, 25 de maio de 2010

OS GUERREIROS-GUARDIÕES DE SÓCRATES


Em "República" Platão descreve o diálogo no qual Sócrates pesquisa a natureza da justiça e da injustiça. Para isso, transferindo a análise do individual ao coletivo, imagina a construção de uma cidade ideal. À medida em que essa cidade vai sendo construída, desde sua forma mais primitiva até se tornar mais complexa, há a necessidade de uma especialização de tarefas cada vez maior. Essa cidade terá então uma classe de guardiões para defendê-la e estes deverão receber uma boa educação para que sejam, segundo Sócrates, “brandos para os compatriotas e duros para os inimigos; caso contrário não terão de esperar que outros a destruam, mas eles mesmos se anteciparão a fazê-lo”. Os gerreiros-guardiões de Sócrates receberão a melhor educação a fim de se tornar os melhores entre os cidadãos. Sua educação será à maneira tradicional grega, isto é, através da ginástica para o aprimoramento do corpo e da música para gerar harmonia na alma.

domingo, 23 de maio de 2010

O MITO DA CAVERNA

No livro VII de A República, Platão narra o Mito da Caverna, uma alegoria de Sócrates sobre a concepção da realidade e do conhecimento. Estão dentro de uma caverna desde a infância homens acorrentados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; a única luz provém de uma fogueira atrás deles. Entre o fogo e os prisioneiros há um caminho por onde passam outros homens que transportam toda espécie de objetos, estatuetas de homens e de animais; uns falam, outros permanecem calados. O que esses homens acorrentados poderão observar são as sombras dos objetos projetadas no fundo da caverna. Como os homens que passam pelo muro, atrás deles, falam entre si, ouvirão os ecos que chegam a eles do fundo da caverna, atribuindo a origem dos sons às próprias sombras." De qualquer forma" - afirma Sócrates - "pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objetos." A caverna simboliza o mundo sensível a que estamos aprisionados e do qual só podemos perceber as sombras das coisas. O exterior é o mundo intelegível das idéias, mundo de luz, realidade objetiva e conhecimento. Cabe ao homem se libertar das correntes, sair da caverna e tomar contato com o mundo exterior.