sexta-feira, 28 de maio de 2010

O BEM COMO BUSCA

Sócrates mostrava um caminho para a filosofia que jamais poderia ser encontrado num texto. Ele falava de uma anamnesis, de um mergulho na memória pessoal em busca do instante do nascimento da consciência filosófica. A consciência filosófica era a antevisão das formas universais eternas. Essas formas transcendiam infinitamente a esfera da experiência corporal, portanto também da memória sensível, mas, em algum momento esquecido do tempo, haviam se entremostrado nela e despertado, na alma do indivíduo carnal, a aspiração do Bem supremo. No curso posterior da vida, a maioria dos homens se esquecia desse momento para sempre. Em outros, a ocultação era parcial. Se o objeto experienciado desaparecia da consciência, a aspiração a que ele dera nascimento permanecia viva. Viva, mas buscando satisfação a esmo em objetos impróprios, errando entre símbolos e simulacros até atinar -ou não- com o caminho de volta. O encontro do aprendiz com o filósofo maduro era um momento decisivo dessa busca. O filósofo atraía os discípulos porque algo, nele, evocava o Bem supremo. O filósofo era um símbolo. O discípulo podia agarrar-se a ele como a qualquer outro símbolo, adorando-o ao ponto de desejar possuí-lo carnalmente. É o que Alcebíades, após a noitada do Banquete, confessa a Sócrates. Mas Sócrates lhe explica que ele está buscando na direção errada. O que move a alma do discípulo é o desejo de um bem espiritual esquecido, que a carne de Sócrates não pode satisfazer. O filósofo é um símbolo do Bem e não o próprio Bem. Nesse sentido, ele não é diferente de qualquer outro símbolo. Mas ele não é apenas símbolo. Ele não se limita a representar exteriormente o Bem, como a beleza material o representa sem saber o que faz. Ele é um registro consciente daquele Bem que ele próprio simboliza. Ele é o homem que realizou a anamnesis e descobriu na própria alma a abertura para o Bem. Por isso ele pode ensinar a Alcebíades o caminho de volta, mostrar que esse caminho não se encontra no corpo de Sócrates, e sim na alma de Alcebíades. Ele convida o discípulo à metanóia, ao giro da direção da atenção desde fora para dentro, desde a atualidade dos sinais sensíveis para a escuridão da memória, em cujo fundo brilha, escondida, a recordação da abertura primordial para a experiência do Bem e das formas eternas.

terça-feira, 25 de maio de 2010

OS GUERREIROS-GUARDIÕES DE SÓCRATES


Em "República" Platão descreve o diálogo no qual Sócrates pesquisa a natureza da justiça e da injustiça. Para isso, transferindo a análise do individual ao coletivo, imagina a construção de uma cidade ideal. À medida em que essa cidade vai sendo construída, desde sua forma mais primitiva até se tornar mais complexa, há a necessidade de uma especialização de tarefas cada vez maior. Essa cidade terá então uma classe de guardiões para defendê-la e estes deverão receber uma boa educação para que sejam, segundo Sócrates, “brandos para os compatriotas e duros para os inimigos; caso contrário não terão de esperar que outros a destruam, mas eles mesmos se anteciparão a fazê-lo”. Os gerreiros-guardiões de Sócrates receberão a melhor educação a fim de se tornar os melhores entre os cidadãos. Sua educação será à maneira tradicional grega, isto é, através da ginástica para o aprimoramento do corpo e da música para gerar harmonia na alma.

domingo, 23 de maio de 2010

O MITO DA CAVERNA

No livro VII de A República, Platão narra o Mito da Caverna, uma alegoria de Sócrates sobre a concepção da realidade e do conhecimento. Estão dentro de uma caverna desde a infância homens acorrentados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; a única luz provém de uma fogueira atrás deles. Entre o fogo e os prisioneiros há um caminho por onde passam outros homens que transportam toda espécie de objetos, estatuetas de homens e de animais; uns falam, outros permanecem calados. O que esses homens acorrentados poderão observar são as sombras dos objetos projetadas no fundo da caverna. Como os homens que passam pelo muro, atrás deles, falam entre si, ouvirão os ecos que chegam a eles do fundo da caverna, atribuindo a origem dos sons às próprias sombras." De qualquer forma" - afirma Sócrates - "pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objetos." A caverna simboliza o mundo sensível a que estamos aprisionados e do qual só podemos perceber as sombras das coisas. O exterior é o mundo intelegível das idéias, mundo de luz, realidade objetiva e conhecimento. Cabe ao homem se libertar das correntes, sair da caverna e tomar contato com o mundo exterior.